terça-feira, 25 de setembro de 2007

Varanda do Pau D'arco

Acordo na varanda
Da casa alva de antes.

No céu
O claro anil
Com seus pássaros de chegada
Dizem-me por onde passei.

Respiro tão fundo
Como se um novo nascer
Fosse possível nessa hora do dia.

Recordo o Cajueiro.
Seu lugar ainda seu
Declara uma ausência marrom.
E já em terra crespa
Crescem os primeiros verdes.

Assovio alguma canção antiga,
Alguma memória escondida
Nas frestas, nos vãos, nos rachados...

E me vem, sempre bem vinda,
Aquela dos tempos dos rios,
Das feiras, dos peixes salgados.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Ai,essa mulata...(Da serie Mámá e eu)





A mulata passa.
O seu vestido de feira
Parece encurtar aos Domingos.

Os brincos, colar e pulseiras,
De cor dourado madeira
Tilintam um som de inspirar.

A mulata caçoa, toda boa, é dona de si.
Aos Domingos sua carne tem cheiro de bicho.
Ao toque do sino da igreja
Rum, ínsita pecar...

Rebolando ela vai de um jeito
Que nem o caboclo mais direito
Consegue deixar de espiar.
-
(Tela:Mayana Borges)

Tum tum tum(Da serie Mámá e eu)





Tum tum tum
Lá vem

Tum tum tum
Tambor

Vem dançando, vem
Feito bêbo, ôiô

Se agachando, vem
Tão pertinho assim
Meu coração inteiro
Fica miudin

Tenho medo, nêga
De assombração
Dessas que no terreiro
Surge no barracão

Por que me trouxe aqui?
Num sabe que tenho pavor?

Tum tum tum
Lá vem

Tum tum tum
Tambor

Vem dançando, vem.
Feito bêbo, ôiô.
-
(Tela:Mayana Borges)

A nêga e Ana(Da serie Mámá e eu)





Ô, nêga
Tu contou a Ana coisa de traição.

Marcou com ela
Em pleno dia
Dia amarelo
Com fogo nas bêra.

Foi justamente com Ana
Que a nega foi falar.

Falou tudo
Das marca no corpo dele.
Do perfume alecrim
Da tristeza, da saudade
Do fim.

Chorou todo o tempo
Com tanta ingratidão.

A Ana só olhava
Sem dizer nem sim
Nem não.

Foi justamente com Ana
Que a nêga foi falar

Logo a Ana,
Logo a Ana!
Quem a nega quer matar...

Mas a nêga num sabe.
-
(Tela:Mayana Borges)

Mãe preta(Da serie Mámá e eu)





No peito da preta
Dorme o menino

Olhos de riacho
Velam seu sono

No colo da terna mãe
Calor de suor salgado
Paz de pouco saber...

No lombo da mulher
O peso da vida é doído
Sem canto a socorrer.

Mas ela lembra da luta
E ri, serena senhora,
Sonhando assim feito moça
Com o seu anjo menino.
-
(Tela:Mayna Borges)

Trabáio de nêgo(Da serie Mámá e eu)





Foi trabáio, minha irmã
Que separou meu bem de mim.

Eu juro que vi na encruziada
Um nêgo de juêio
Vestido de pano vermêio
Pegando prato de barro!

Ele me ôiô com zói de fogo
Foi lá, na encruziada
Ele deu uma gargaiada
Que ecoou por toda Ondina.

Eu rezei, mas não deu sorte
O nego bafô o pote
Dançano uma dança de bêbo
Com tudo em vorta avuando

Quando foi de manhãzinha, minha irmã
Meu pretinho foi-se embora
Nem os chamego na porta
Fez o home vortá.

Choro de noite e de dia
Tamanha a minha agonia
Desde que ele desceu de lá...

Foi trabáio, minha irmã
Foi sim!
Que separou meu bem de mim.
-
(Tela: Mayana Borges)

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Cacoetes

Sinais exercitam seus motivos
Agitam as tramas deste corpo.

Me movimento entre você e adiante.

Ontem será outro dia...

Repito esses reflexos involuntários
Evocando publicamente
Nossas velhas felicidades.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

FilhoIII



Meu menino vive dessas folhas verdes
Seus passos recém descobertos revelados sob o céu.
Leva de meu cerne todo sentimento herdado
E minha biografia impressa em seu rastro de papel.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Café das Oliveiras( Para minha mãe)

Pus-me em seu lugar. A fundura atribuída a seu peso me faz acomodar o corpo de maneira confortável. Fixei-me nas rugas que beiram seu olhar verde, a sobrancelha fina, noutro tempo era moda e você inda era moça e eu nem era ainda. As pinças puxaram os fios. Finas simplesmente, me parecem saber do que se tratam os navios, as paisagens, o Café das Oliveiras. O modo como se colocam sobre seu rosto, apesar do pressuposto, te tornam um tico frágil. Meu olhar, em ti, encontra mesmos caminhos, bares e esperas.
E, embora não vivamos no mesmo porto, a porta ainda junta as madeiras do Pinheiro.
Inda há os anéis postos sobre a mesa de centro, quando os aços se desdobram pela cama feita.
Pus-me em seu lugar. Nos contos da Carochinha. Repetindo as mesmas ênfases dos diálogos. Porque se repete o que não se pode largar. Cada palavra dizia seu nome e não pude deixar de rir. Nessas horas sem que nem pra que é que te encontro. Não há como não ser, já que os bichos estão em migração, mas de certo que voltam para mesmas terras. Seus filhos também. E os filhos deles... Até Deus sabe quando. Tudo junta no mesmo lugar, porque sair mesmo, ninguém é capaz. Cada piar é volta e me entorno em suas beiras, nessa primeira vez... Para retornar a mim e saber qual de mim irá partir. Quais partidas serão. Quais pedaços seus e meus.
E, como mãe que sou nesse tempo, tudo arde um pouco mais. Talvez por isso seu lugar seja tão fundo. A água já não cobre muito. Os olhos viram espelhos.
Pus-me em seu lugar.
Coisa que nunca tinha feito. Era cria. Diabo. Mato.
Mas hoje me atrevi.
Respirei seu ar cansado.
Como cansa respirar...
Sustentei cada músculo seu numa tentativa de revés.
Suas toalhas.
Desdobrei os lenços antigos.
Guardanapos.
Tecidos.
Enxuguei-me em véus guardados pra mim.

Pus-me em seu lugar
E nos seus olhos, vi os meus, de repente.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Patchuli

A antiga mesa
Range ao leve toque.

O tempo passa para as coisas.
Passamos ao passo rangendo.

Meu pai dizia,
Que o que a gente leva da vida
É a vida que a gente leva.

Meu pai passou,
Mas levou a sua prenda.

O cheiro de Patchuli de suas camisas
Ainda circula no armário.

Os tecidos foram.
A essência escolhida por tantos anos
Não teve frestas por onde escapar.

Hoje passei horas olhando a mesa,
Suas cadeiras de madeira,
Seus pés suportando o peso frio...
Imagino se ela quer descansar,
Se a história já lhe é uma carga muito mais pesada
Que o mármore branco estendido
Por tanto tempo em sua altura.

O tempo passa para as coisas.
Passamos ao passo rangendo.

Recordamo-nos eu e a mesa
Serenas.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Primavera

Sombras coloridas
Arqueiam-se num aceno.
De um longe/perto,
Ela se insinua,
Mais esse ano.
Inverno, por aqui, nem houve...
Apenas burburinho de chuvisco
Rondou pela cidade
E as famosas gotas densas
Nem passaram das balaustradas.

Ela se refaz
Em estação, em pétalas.

Flores reclamam amores.
São promessas das vontades
Passeiam juntas e,quando sós,
Derramam fresco perfume,
Indicando o caminho a seguir,
Antes do encontro de fervor
Com o deus desse hemisfério.

Vez de desabrochar
Pele
Suspiros
Beatitudes

Primavera, em verdade, é princípio.
É folha nova, que acaricia em cores,
O carbono das pegadas.