quarta-feira, 31 de outubro de 2007

Constatação Tardia

Raios solares de mesmo incômodo
Atingem-me como de costume,

Os sons não param de insistir,
Enquanto me espreguiço
Pelos lençóis agitados
Da cama, mesma, desde menina.

Levanto para um banho
Quente, muito quente.

Há óleo em meu corpo
E no ralo se perde a espuma.

Minha tez espera
O momento em que as vestes
Enfeitarão seus acinzentados.

Penso na noite, mesma,
Desejando acobertar-me
Pelas horas de um sono
Calmo.

Percebo em meus desejos, mesmos,
Que sou uma mulher cansada
E anseio pelas vozes dos falsos
Calares.

sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Sambinha de tudo que vai.

Morena, meu doce,
Vou-me embora.

É chegada a hora
Do adeus
Morte de viver.

Não se acanhe em chorar
Mas não teima, vou voltar,
Pros teus braços,meu querer.

Vou selado pelos silvos
No meu peito um remendo
De seus olhos sempre vivos.

Morena, meu doce
Vou-me indo devagar.

Vê a lua,
Vê o mar!

Ouve samba
Pois num samba
Mora a dor de ser quem é,

No samba, morena,
Encontramos bons motivos.

Fecha teus olhos castanhos
Que num piscar volto vivo

Deixo aqui a canção
E levo no bolso o refrão
Das notas que estive contigo.

quarta-feira, 17 de outubro de 2007

Felicidades


( Para meu filho que revela tanta vida em apenas um ano)



Hoje fez ano
Que o furor soprou manso
Nesses dias que seguiram.

Lençóis, camas e cantos
Tornaram pequeno piado
Enquanto seus olhos dormiam.

Dos quentes que habitavam
Ainda resta o telhado
Enquanto um azular, nos passos, ascende.

De modo que o encanto,
Depois de ano, de sons e horas,
Calhou de ser abrigo.

Por ser feita assim essa casa
De frescas em raios magenta

Da janela vê-se, não é raro,
Verdinhos ramos de menta.
-

terça-feira, 16 de outubro de 2007

Só e a lua

Ela branca sai
Da boca da noite
Só um Hai cai.

O cardápio da Joaninha ( Para Paulinho e outras crianças)

Redonda pela sombrinha
Com seu vestido vermelho
Todo pintado em bolinhas

Parece uma senhorinha
Essa Joaninha.
Andando assim pela folha
Numa miudeza, escondidinha.

Dia desses veio o pulgão
Temeroso, olhando os lados
Perguntou da Joaninha
E foi saindo, assim de lado.

Não entendi a agonia
Desse bichinho invocado!

Mas não é que me contaram
Numa certa ocasião
Que bom prato, para Joaninha,
É o apetitoso pulgão.

Não poderia adivinhar,
Que ao olhar o bichinho daquele jeito,
A Dona Joaninha queria mesmo
Era encher sua pançinha.

quarta-feira, 10 de outubro de 2007

Chegados calores




No instante em que as águas aquecem
Descem da pirambeira
Nuvens estreitadas em branco.

O calor, que era jura,
Cumpri-se em transparência

E eu sei, já era tempo
Das roupas secarem.

Corpos se achegam na areia
Protegidos pelas horas,
Que agora, são de bem viver.

As prosas são de meninice
E uma comichão fervilha
Calcanhares distraídos.

Chamas horizontais
Chamam e o cio atende,

Enquanto silhuetas coloridas
Douram seus calores
Com seus pudores ao léu.
-

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Blues




São só
azuis
os Blues?
-
Tela: "O velho Guitarrista" - Pablo Picasso

Cansadas




Tropeço em seus contornos
Todo santo dia desde o primeiro choro.

Escorro por veias
Enquanto o sol, ainda morno,
Consterna-me em pensamentos.

Suas manhãs sempre me foram caras,
Muito embora as tardes,
Inundem-me de saudades tenras.

Horas chegam em primeiro
E meu lento coração implora,
Pelos segundos fracionados.

A passarada ruma aos montes,
Por cima das casas coloridas
E fito por entre as vigas...

Pessoas rumam em bando,
Pras bandas de algum lugar.

Ai, esse mar...
Tanta água umedece
Os cálculos das minhas fugas
Rabiscadas em papeis de seda.

A cidade me concreta em queixa,
Confessa-me uma agonia tanta,
Que roga aos meus rompantes
Algum suspiro manso.
-
Foto: Tiago Lima (http://www.tiagolima.com/)

terça-feira, 25 de setembro de 2007

Varanda do Pau D'arco

Acordo na varanda
Da casa alva de antes.

No céu
O claro anil
Com seus pássaros de chegada
Dizem-me por onde passei.

Respiro tão fundo
Como se um novo nascer
Fosse possível nessa hora do dia.

Recordo o Cajueiro.
Seu lugar ainda seu
Declara uma ausência marrom.
E já em terra crespa
Crescem os primeiros verdes.

Assovio alguma canção antiga,
Alguma memória escondida
Nas frestas, nos vãos, nos rachados...

E me vem, sempre bem vinda,
Aquela dos tempos dos rios,
Das feiras, dos peixes salgados.

quarta-feira, 19 de setembro de 2007

Ai,essa mulata...(Da serie Mámá e eu)





A mulata passa.
O seu vestido de feira
Parece encurtar aos Domingos.

Os brincos, colar e pulseiras,
De cor dourado madeira
Tilintam um som de inspirar.

A mulata caçoa, toda boa, é dona de si.
Aos Domingos sua carne tem cheiro de bicho.
Ao toque do sino da igreja
Rum, ínsita pecar...

Rebolando ela vai de um jeito
Que nem o caboclo mais direito
Consegue deixar de espiar.
-
(Tela:Mayana Borges)

Tum tum tum(Da serie Mámá e eu)





Tum tum tum
Lá vem

Tum tum tum
Tambor

Vem dançando, vem
Feito bêbo, ôiô

Se agachando, vem
Tão pertinho assim
Meu coração inteiro
Fica miudin

Tenho medo, nêga
De assombração
Dessas que no terreiro
Surge no barracão

Por que me trouxe aqui?
Num sabe que tenho pavor?

Tum tum tum
Lá vem

Tum tum tum
Tambor

Vem dançando, vem.
Feito bêbo, ôiô.
-
(Tela:Mayana Borges)

A nêga e Ana(Da serie Mámá e eu)





Ô, nêga
Tu contou a Ana coisa de traição.

Marcou com ela
Em pleno dia
Dia amarelo
Com fogo nas bêra.

Foi justamente com Ana
Que a nega foi falar.

Falou tudo
Das marca no corpo dele.
Do perfume alecrim
Da tristeza, da saudade
Do fim.

Chorou todo o tempo
Com tanta ingratidão.

A Ana só olhava
Sem dizer nem sim
Nem não.

Foi justamente com Ana
Que a nêga foi falar

Logo a Ana,
Logo a Ana!
Quem a nega quer matar...

Mas a nêga num sabe.
-
(Tela:Mayana Borges)

Mãe preta(Da serie Mámá e eu)





No peito da preta
Dorme o menino

Olhos de riacho
Velam seu sono

No colo da terna mãe
Calor de suor salgado
Paz de pouco saber...

No lombo da mulher
O peso da vida é doído
Sem canto a socorrer.

Mas ela lembra da luta
E ri, serena senhora,
Sonhando assim feito moça
Com o seu anjo menino.
-
(Tela:Mayna Borges)

Trabáio de nêgo(Da serie Mámá e eu)





Foi trabáio, minha irmã
Que separou meu bem de mim.

Eu juro que vi na encruziada
Um nêgo de juêio
Vestido de pano vermêio
Pegando prato de barro!

Ele me ôiô com zói de fogo
Foi lá, na encruziada
Ele deu uma gargaiada
Que ecoou por toda Ondina.

Eu rezei, mas não deu sorte
O nego bafô o pote
Dançano uma dança de bêbo
Com tudo em vorta avuando

Quando foi de manhãzinha, minha irmã
Meu pretinho foi-se embora
Nem os chamego na porta
Fez o home vortá.

Choro de noite e de dia
Tamanha a minha agonia
Desde que ele desceu de lá...

Foi trabáio, minha irmã
Foi sim!
Que separou meu bem de mim.
-
(Tela: Mayana Borges)

terça-feira, 18 de setembro de 2007

Cacoetes

Sinais exercitam seus motivos
Agitam as tramas deste corpo.

Me movimento entre você e adiante.

Ontem será outro dia...

Repito esses reflexos involuntários
Evocando publicamente
Nossas velhas felicidades.

quarta-feira, 12 de setembro de 2007

FilhoIII



Meu menino vive dessas folhas verdes
Seus passos recém descobertos revelados sob o céu.
Leva de meu cerne todo sentimento herdado
E minha biografia impressa em seu rastro de papel.

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

Café das Oliveiras( Para minha mãe)

Pus-me em seu lugar. A fundura atribuída a seu peso me faz acomodar o corpo de maneira confortável. Fixei-me nas rugas que beiram seu olhar verde, a sobrancelha fina, noutro tempo era moda e você inda era moça e eu nem era ainda. As pinças puxaram os fios. Finas simplesmente, me parecem saber do que se tratam os navios, as paisagens, o Café das Oliveiras. O modo como se colocam sobre seu rosto, apesar do pressuposto, te tornam um tico frágil. Meu olhar, em ti, encontra mesmos caminhos, bares e esperas.
E, embora não vivamos no mesmo porto, a porta ainda junta as madeiras do Pinheiro.
Inda há os anéis postos sobre a mesa de centro, quando os aços se desdobram pela cama feita.
Pus-me em seu lugar. Nos contos da Carochinha. Repetindo as mesmas ênfases dos diálogos. Porque se repete o que não se pode largar. Cada palavra dizia seu nome e não pude deixar de rir. Nessas horas sem que nem pra que é que te encontro. Não há como não ser, já que os bichos estão em migração, mas de certo que voltam para mesmas terras. Seus filhos também. E os filhos deles... Até Deus sabe quando. Tudo junta no mesmo lugar, porque sair mesmo, ninguém é capaz. Cada piar é volta e me entorno em suas beiras, nessa primeira vez... Para retornar a mim e saber qual de mim irá partir. Quais partidas serão. Quais pedaços seus e meus.
E, como mãe que sou nesse tempo, tudo arde um pouco mais. Talvez por isso seu lugar seja tão fundo. A água já não cobre muito. Os olhos viram espelhos.
Pus-me em seu lugar.
Coisa que nunca tinha feito. Era cria. Diabo. Mato.
Mas hoje me atrevi.
Respirei seu ar cansado.
Como cansa respirar...
Sustentei cada músculo seu numa tentativa de revés.
Suas toalhas.
Desdobrei os lenços antigos.
Guardanapos.
Tecidos.
Enxuguei-me em véus guardados pra mim.

Pus-me em seu lugar
E nos seus olhos, vi os meus, de repente.

terça-feira, 4 de setembro de 2007

Patchuli

A antiga mesa
Range ao leve toque.

O tempo passa para as coisas.
Passamos ao passo rangendo.

Meu pai dizia,
Que o que a gente leva da vida
É a vida que a gente leva.

Meu pai passou,
Mas levou a sua prenda.

O cheiro de Patchuli de suas camisas
Ainda circula no armário.

Os tecidos foram.
A essência escolhida por tantos anos
Não teve frestas por onde escapar.

Hoje passei horas olhando a mesa,
Suas cadeiras de madeira,
Seus pés suportando o peso frio...
Imagino se ela quer descansar,
Se a história já lhe é uma carga muito mais pesada
Que o mármore branco estendido
Por tanto tempo em sua altura.

O tempo passa para as coisas.
Passamos ao passo rangendo.

Recordamo-nos eu e a mesa
Serenas.

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Primavera

Sombras coloridas
Arqueiam-se num aceno.
De um longe/perto,
Ela se insinua,
Mais esse ano.
Inverno, por aqui, nem houve...
Apenas burburinho de chuvisco
Rondou pela cidade
E as famosas gotas densas
Nem passaram das balaustradas.

Ela se refaz
Em estação, em pétalas.

Flores reclamam amores.
São promessas das vontades
Passeiam juntas e,quando sós,
Derramam fresco perfume,
Indicando o caminho a seguir,
Antes do encontro de fervor
Com o deus desse hemisfério.

Vez de desabrochar
Pele
Suspiros
Beatitudes

Primavera, em verdade, é princípio.
É folha nova, que acaricia em cores,
O carbono das pegadas.

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Conversa da tarde

Os livros sussurram
A essa hora da tarde.

Rendidos
Versos, verbos, vírgulas
Ao lençol de névoa
Que contorna o assoalho da entrada.

Estremecido entardecer.
Derrete-se em céus
Envolve arranha céus
Contenta-se em nuvens.

Os livros nas gavetas conversam.

Ao se pôr, seria o final triste,
Não fosse o sigilo
Morada de vozes familiares.

Entardece.

Os livros cochicham.

Passos desandam
Espumas retornam
Num comungar de despedidas.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O baile do vento (para o filho)

Vê o vento e a pena. A condução suave em que se envolvem e respiram. Coisa viva é vento e pena!Coisa minha e coisa sua, assim como somos coisas do instante.
Sente o sol dessa manhã, como seus filetes de ouro acordam o rosto num carinho mudo. Calor. Vivo. Quente. Como é presente a sua cor amarela, sobre as copas folhosas das árvores. Vê meu filho, aquele barco que vai longe...
Pelo imenso azul que o sustenta, ele segue. Pequeno ponto solitário. Dentro de seu velho corpo de madeira há um homem. Dentro do homem um desejo. Dentro do desejo a esperança e, a esperança, meu anjo, é mar.
Filho, os homens são tecidos em emoções... Assim como a dança entre a pena e o vento. Assim como o sol acordado em todas as manhãs. Assim como a estrada azul d’água e o barco que persevera.São feitos da mesma areia.Das correntes.Do tempo.
O homem carrega a coragem de vir a ser suas vontades e sua história o marca numa conseqüência eterna. A história é filho que cresce sem nunca poder ser parido. Por isso há homens e homens. Histórias e história. E há você, há eu e há nós.
Talvez entender a fita que ata cada outra fita seja tarefa de pra sempre. Seja a vida mesmo. Só.

Sabe meu filho, aquela pena nos mostra os braços do vento. Cada gesto emocionado por ele, emociona a pena leve e faz garoa em minhas terras. São nesses momentos, que brota, dentro, causa sem nome e que nunca irá se tornar concreta em nenhuma forma de expressão.

Vê meu amor, minha semente...
As conchas. A praia, moça bonita, suas curvas. O sal. Ferrugens nas grades. O sal.

Há horas em que escorre nas valas sangue de gente. Balas zunindo. Facas de aço. Aço de foice. Gritos sem fim. Sangue de gente. Noites sem fim. Gente deitada. Aço de fim.

Mas isso, criança, é coisa pros olhos dos grandes, e você não há de cismar por agora.
Basta-lhe catar as conchas. O rio e suas margens. As pedras dentro d’água.A água.O vento.

Vê...
Meu amor, a vida é vento.
O chorar da sua muda dança com a pena...

Entende o que digo?
A vida. O vento. A pena.

sábado, 18 de agosto de 2007

Navegante

Restou o despetalar floral
Incrustada na madeira lisa
E o vento arou brisas
Perto da jardineira.

O mar da vez borda um azul claro,
Que parece brandura sempre.

Tempestades se escondem
Na lonjura do horizonte
Nas distâncias dos silêncios.

Longe daqui há um casebre,
E do casebre vê-se a cidade.
O mundo se faz em berços.

Daqui o mar parece estar
Na cabeceira em que vontades deságuam
Levando a pés pequenos
Chinelos de águas morenas.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Gameleira


Calçado paraíso santo
De igreja e pedrarias.
Alí, onde altar é areia,
Os santos são verdes ramos,
Que pelos altos serpenteiam.
Alí, onde o céu rompe em manto,
O sol toca o couro novo,
Das crianças, das danças, das casas vizinhas.
Onde o caminho leve, leva a reza,
Que o corpo, aqui, faz jazigo.

Alí nossa casa.
Alí um pedido.
Alí.
-
Foto: Paloza (http://www.flickr.com/photos/superpalaativar/)

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Pontos

Escrevo na busca de algo
Que jamais encontrarei.
A palavra possui meus verbos
Enquanto recebo seus avais.
Correntes se anelam
Sem que ao menos estalem
Em minha percepção.
Na fraca lucidez que me sobra
Escrevo
Em sinais brancos de incertezas.

Quintal

Vejo a relva
Alva
Nas pastagens
Os burrinhos
Revelando minhas pragas
O bicar dos passarinhos.

A estrada


Na mesma estrada estou.
Barro cuspido em meus tornozelos
E perdida dos meus olhos
A casa caiada entre coqueiros.
A mesma estrada e há outra do outro lado
Outra margem, outra ponta,
Outro céu, outros anelados desejos.
Ao passo da-se a força
E a marcada pegada, ainda fosca,
Afundada em travesseiros.
Na mesma estrada se foi
Alguém que por pouco não lembro
Não ser por essas palavras restadas
Na margem, outra, da estrada
A qual, sem esforço, não vejo.
De cima da ribanceira
Um pé de tamarindos azedos
Em vagem cantam
Dos doces de não partir.
Na mesma estrada estou.
E assim será o rumo
Pois se a vida nela é talhada
Como em mim não será grada,
Se por entre gordas várzeas
Eu vou?
Na mesma estrada estou.
Busco o rio, busco a ponte,
E a Dama logo defronte
Mostra pr’onde mesmo que vou.
-
Foto: Tiago Lima (http://www.tiagolima.com)

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Marias,mulheres,respostas

Sei mulher, do talho que ao fundo se fez. Dos mares que atravessou na roxa busca ávida do que deixou em terra salgada. Vi. Pois sua carne é minha, mulher, seus olhos olharem um ventre em busca do desejo mãe em ter uma vida. Sua. Dentro. Pulso.
No caminho nos encontramos mulher, sem ao menos nos encontrarmos de fato. Feito prece. Feito pedido. Feito esperança. Encontramos-nos no amor e por ele se mata e morre. Por ele se sangra e cura.
Suas lágrimas culparam minh’alma, mas pecados possuem a graça de ninar pesares. O demônio turvo, que erguia em meu dorso, dormiu solto no dia em que chorei ao pé da cruz.
Era sua imagem em rio limpo, santa tez agraciada! Qual minha regalia?Na correnteza envolta em galhos, vi seu rosto em traços bentos, mostrar-me que era mulher, mulher de fato. E as mulheres, assim como eu, nunca tocaram na vida um rosário.
Veja daqui, que de onde jamais saímos, somos as mesmas. Santas, mulheres, não importa por qual alcunha.
Folhas do Tempo, esse sim: Homem, livro,Deus e grama, secaram.
Passado Outono, o inverno fecunda as sementes nascentes.
Primavera anuncia belas cores nas sacadas.
Uma mãe nasceu de dia e a noite não é mais viva.
Depois que frutos rompem auroras, manhãs têm cor de calma em horizontes certos.
Meus frutos, os meninos, em alguma instância também são seus, como são de tanta gente.Como são meus seus pés. Como não querer o amor, se tanto há dele em mim?
Agora, mulher, façamos mais essa prece.
Pais Nossos. Agruras, ternuras, caminhos...
Mãos úmidas, querida, transpiram em suas, para que conseqüências da vida, sejam refeitas em escolha de bom agora.
Ave Marias!
Por bem,
Amém.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Para Cláudio

Ofereço-lhe o cansaço
Regaço do meu corpo
Tombado pelos afazeres diários.
Os sóis são duros raios
Que convergem em minha côncava estrutura.
Só sua fala é bálsamo
Para minhas ordinárias mazelas.
Sua respiração
Corrente de vento desvendando
Dúvidas corriqueiras.
Estarás sim em mim
Como essas estrelas
Que habitam o céu
E que, mesmo mortas
Há anos luz, ainda refletem-se
Nos mares.
Guardarei sua paz como quem guarda
Uma prece de criança
Que ao pé da cama pede pelos que ama.
Mesmo que eu morra em teus olhos,
Que meu brilho visto por ti se esvaia
Num caldo seco de não sentir,
Sua face pra mim será terna,
Eterna na tez do filho,
Nosso que nós tivemos.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Jabuiticaba

É tempo de Jabuticabas.
Incrível como me chamam atenção
Essas frutinhas de um roxo quase preto.
Falam-me repousadas e brilhosas nas bancas de frutas:
-Tempo, tempo...
Durante o ano, fico imaginando o momento
Em que me depararei despretensiosamente
Com sua graça em alguma esquina,
Quando roxas bolinhas estalaram
Seu sumo inundando minha boca
Com um doce rápido
E branco.

Falam-me do tempo, as Jabuticabas
Da paciência adocicada do encontro
Com eu e tu e o todo e as coisas e nós
Acenam a espera de um momento
Onde o passar é gratidão
E risonhas esferas serão certas
No momento certo de serem.

Quando em feiras, carrinhos de mão, sacolas
Elas se insinuam inchadas de suco
É a vez delas mostrarem sua safra
Até que sejam preteridas
Pelos sapotis e cajus
É a vez de degustarmos
Os açucares alí dados por elas.

-Tempo, tempo, falam baixinho
As Jabuticabas
Enquanto apreendo seus saborores
Grata pela semeadura.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Maracujá

Recostei-me num arvoredo
Que ficou debruçado
Na velha rodagem

Aninhe-me num vento lento
Que assoviou
Canções de antes

Um cheiro de maracujá
Cobriu minhas passagens
E respirei alaranjado

Tornei-me um tanto
Arvoredo
Vento
Maracujá

E nunca mais
Fui gente
Apenas.

sábado, 28 de julho de 2007

Mar em sina

A rede no mar
Imenso colar

Os peixes que voltam
De força, entortam
A linha do ar

Mariazinha vem ver!
José vai pescar
De short de lista
Sem blusa a cantar.

Maria de beira
Reza um voltar
Mas quem diz que volta
Não sabe ficar.

O Zé foi pescar.
Maria chorando...

É sina de mar
Águas levando...

Vai, neguinha!(Serie Mámá e eu)




Vai pra festa, neguinha
Hoje é dia de roda
De samba
De samba

Já sei pr'onde cê vai
Quando da esquina tu sai
Toda bamba
Toda bamba

No ar fico um cheiro
Gentil e certeiro
De lavanda
De lavanda

Vai pra festa, neguinha
Que o trabalho acabou
Caramba!
Caramba!

Vai pra festa, neguinha
Hoje não tem ladainha
Nem zanga
Nem zanga

Noturna II

Noite ri
Preta Dama
Ama só.
Noite, note
Pó a pó.

Noite eu
Escuro dia
Ria ontem
Hoje fria
Ia...

Sob a noite
Só lhe dão
Marfim

Só.
Oh!noite
Assim
Assim.

sexta-feira, 27 de julho de 2007

Para Vinicius

Não negue, benzinho.
Não dá pra não ser
Todo amor é criança
E do tanto que dança
Esquece de crescer

Benzinho, benzinho
Não dá, vai doer
Todo amor é ciranda
E do tanto que gira
Faz o mundo correr

Meu doce benzinho
Eu sei, vou te ver
Meu amor é querendo
E do tanto que quer
Lembra pouco de ser

Meu tolo benzinho
Eu sei vai morrer
Meu amor estação
E do tanto que passa
Vai passar por você

Então vem, benzinho
Faz queixa não
O relógio não para
E do tanto que fala
Não me abre o botão

Encontro II

Encontro-me comigo
Mostro vãos profundos
Entristeço
Nas minhas páginas
Amareladas manchas
Sentem tudo um tanto velho
Reconheço minha letra
Mas os adornos no topo
Não foram feitos de minha junção
Entristeço
Perdi a autoria
Lacunas se fizeram
Sem que o vazio
Revelasse sua forma
Esmoreço
Acomodada leio
De mim em mim
E fecho.

sábado, 21 de julho de 2007

Pau, Linho (Para Paulinho e outra crianças)

É pau
- Au, au!
Vem cá bichinho
Vamos brincar?

Subir ladeira
(que é cadeira)
Deixa pra lá.

É alpinista
De pé bem sujo
Tem uma pista
Nesse sofá.

É linho
-Inho, Inho!
Vem cá nininho
Vamos nana?

Deitar na nuvem
(que é Dona cama)
Deixa pra lá.

Mamãe cansou
Papai também
Fecha os olhinhos
Dorme, meu bem.

É o Paulinho
-Bom dia, dia!
Vem cá manhã
Vamos brincar?

De descoberta
(que é vida)
Melhor brincar...

Mamãe te cuida
Passa um gelo
Se alguma queda
For de lascar.

Vem cá meu pau
Vem cá meu linho

Vem, meu benzinho
Treinar sonhar.

Cantos iniciados em estantes

Do que ia dizer
Somem vestígios

Da boca cerrada
Imaculada mudez

Meus cantos em volume mínimo
Solfejam intervalos contínuos
Tentam falsetes de chão

Enquanto me espremo
Em vãs tentativas
Ruídos internos
Regressam minha voz

Pequeno balbucio
Na quina da estante
Sorri de engasgar

Todo refrão retorcido
Bandido, banido
Cerca-me em questão

Do que não era nota
Do que era apenas não coisa
Faz-se telha e porta
Faz-se janela e tijolo

Faz-se casa de Sol
Faz-se pequena cantante
Aprendiz vizinha
Dos cantos de estantes

quinta-feira, 19 de julho de 2007

Sobre as mães

Mães são circulares
Semi lares
Plantações

Contidas
Abertas
Como uma quase coisa
Equilibrada

Jardins
De rosa
Margarida
Gira
Sol?

Giram elas!
Redondas
Cilíndricas
Amarelas

São de voltas
Contornais

Mães são grandes
São gigantes
São ovais

Bolhas de sabão
Presas num fio
De amarração

Sempre gordas
Vivem suspensas
São imensas
Em céus pingados
De azuis

Inverno II

Inverno
Continuo

Acinzentando
Azulando

Gotas em vidraças
Fingem caminhos
De chuva

Julho
Passada metade
Outra chegando...

Rios e mais rios
Em mim vão nascentes

Correntes
Torrentes

Incólumes
Seguem os sulcos

Água junta
Água boa

Pêlos, plantas
Ciclos, vincos

Cheia transbordante

Fruta fresca
Em silêncios
De manhãs

Inverno I

São frios os dias
Sem embarcações

Do mar
Pouco há
Da água de instantes

Tudo é vagaroso

Manto cinza
Enlaça de pernas
Horizontes

Barcos sonados
Em praias preguiças
Despertam saudades
Num esfriar quente

Prata adormece
Fio de gema
E esconde
Rubores
Conservados
Em vasilhas de argila

Os mares são solidões
São frios os dias
D'água

Sem barcos
Sem nada

quarta-feira, 18 de julho de 2007

Faroleiro

O seu amor
Farol impresso
Em breus
Pros meus navios

Derivam os ais
Sem cais
De calafrios

Ao norte num piscar
Forte
Guia meus prumos

Ao sul a ponta
Erguida em céu
Mostra meu rumo

Caminho em rotas
De areias brancas
Curvas finas

Baias boas
Côncavas, à toa
Esperam-me em guarida

Farolete, o seu amor
Em horizontes
Luz estendida

Doura o mar
Mapa de altar

Pra minha ida.

segunda-feira, 9 de julho de 2007

Essencial

Vida
Empoeirada
Cinza

Nas rodas
Mesmas notas

Ronda em mim
Fagulha
Do que perdi
(Gosto do bom perder)

Perdi a leitura
De alguma passagem

Passaram as rimas
Palavras cansadas
Danças frouxas

Seguiram uivos noturnos
Cães rajados
Em cores

Meu tempo

Os signos de um filho
Ao sorrir sem nem por que

Uma mão minha
Re trazida em carinho

O momento em que o céu
Me encontra em seus azuis

O tempo
A vida
Mais certos
Aqui

segunda-feira, 2 de julho de 2007

Nosso ar



Sentir o peso

Seu corpo
Quase eu

Nosso laranja
Partindo

Indo
Chegando
Noutro lugar

O ar de seus pulmões...

Enquanto meu ar
Aqui
Ar seu

Brotos de brisa
Do mar
Sopram ares
Das terras de dentro

Meu ar
Seu

Seu ar
Vento...

sexta-feira, 29 de junho de 2007

Da despedida

Trocos sobre a mesa
Copo suado quente
Maçaneta debruçada

Ombro de tempo

Passos de chumbo
Adeus quase mudo
Vontades desesperando

Esse perfume feito tinta

Nodoa de tempo

Encruado
Nas paredes
No taco
Nas sobras

Em tudo.

terça-feira, 26 de junho de 2007

Cores certas

Tenho a certeza
Azul
Das gentilezas da vida

Minhas memórias
Amarelas
Vivas

Meus olhos
Verdes
Moradas paisagens

Aconchegado meu sangue
Tinto
Em mãos de concha

quinta-feira, 21 de junho de 2007

Acordo com o tempo

Fiz um acordo com o tempo menino

Parei naquela margem
Onde o rio passa brincando
Com as pedras redondas do fundo

Parei naquela areia morna
Quarando ao sol
Rindo acalanto

Parados ainda em mim
O céu azul de Verão
Nuvens mudando cirandas
O toque do sol na terra
As árvores

As vidas sob as árvores...

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Fim da semana

Soube que alguém morrera
Numa manhã de Domingo...

A linha, ás vezes
É tão preta e branca

A linha da vida
Nas tantas palmas

Meus dedos percorreram palavras
Manchados de tinta, apenas.

Em ponteiros desconcertantes
As horas obedecem seu destino

Passam...

Ora dançarinas
Ora estátuas

Digitais em prateleiras
Provão tez

Pano passa
Foi-se a prova

Pregos lacram Cedro
Lenços dobram dor

Numa manhã de Domingo
Soube que alguém morrera

Bom dia para descansar.

sexta-feira, 15 de junho de 2007

Noturna

Noturna
Esfria o corpo
Roupas de algodões
Em sua boca
Estrelas e luas e cometas e corujas

Descansam os parques.
Calçadas de entreabertos olhos
Vigiam os passos
Em pedras portuguesas

Adormecem
Muros e árvores e bancos e jardins...
Folhas reclamam igarapés

Os siriris
Em cirandas de luz
Aos montes
Cantam nomes
Em sérias ruelas

Cala o verbo
Nasce a pele

O corrimão delatador
Trinca estrondosamente
Sob as mãos de alguém que chega

As crianças nos berços
Sonham
Os poemas nos livros
Amam
As chuvas nos telhados
Tilintam

Noturna
Chega como de costume...
Com suas luas e estrelas e cometas e corujas
E céus e bocas e trombetas e silêncios.

sábado, 9 de junho de 2007

Líquida II

A fita larga do mar
Me convida a dissolver

Dend’água fico fluida
Os tons são azuis
Eventualmente
Notas de verde

Tempo, velho
Novo amigo
Cá dend’água
Sua rota é perdida
Nesse mar com gosto
Areia de suas mãos
Só faz afofar
Meu peso breve

Na beirinha
Meu filho está nos braços do pai
Tento chamar sua atenção

Está perdido
Assim como eu

Tempo, velho
Tudo é tão grande
Em nossa pequeneza...

Todo amor que sinto aqui
Dend’água
Liquefaz meu corpo
Me torna Oceano Atlântico

Tempo, velho
Nunca você foi
Tão novo e bom amigo

Meu filho observa o todo
Perdidamente...

Meu marido em seus braços
Divaga...

Eu
Liquefeita
em mar
E amar

sexta-feira, 8 de junho de 2007

Início

Parte minha
Parte sua
Minha
Sua
Vida em
Uma

Nosso amor
Amor ele
Vivo
Início
Ser
Perene

Mundo inteiro
Inteiro seu
Corpo
Novo
Tempo
Tudo

Nele a
Vida
Partida
Parte

Arte

quinta-feira, 7 de junho de 2007

Líquida




Venta na cidade.
Os carros passam pelo asfalto cinza
deslizam, precisos, pela leve camada de água em tapete.
Metálicos andarilhos de gente...

O céu é azul
o lilás do mar apaixona
e o sol, mesmo recluso,
se anuncia pelos vãos das nuvens.

Semana nova.
Pouco importa...

Passamos os dias passando
copiosamente regidos
pelo acaso de tudo.
Nos achamos, de fato
menos submissos.

Alguém suplica algo.
Não se ouve.

As buzinas cantam com a chuva
num dueto entristecido.

É Outono dentro de mim.

Mas
o céu é azul
o lilás do mar apaixona
e o sol, mesmo recluso,se anuncia pelos vãos das nuvens.
-
Foto: Tiago Lima (http://www.tiagolima.com)

quarta-feira, 6 de junho de 2007

Soneto da Rosa apaixonada

Sou a rosa na tua escrivaninha
Para tua íris descansar a mágoa
Feito uma alga marinha
Meu caule repousa na água.

Pelo duro vidro posso ouvir
Escrevendo de voz em falta
Não te cobro um tocar de flauta
A mim basta orquestrar-te ali

Nas pétalas uma nota de socorro
Encoberto pelo claro foro
Vendado no meu partir

Vou indo mansa, alegre
Sei que o viver é breve...
Sorte é morrer vendo-te sorrir.

terça-feira, 5 de junho de 2007

Santuário

São Joãos
embolhando nas chamas
de labaredas dançarinas

São Marias
devotas
meninas

São Joãos
pintando balões
de grená

São Marias
miúdas
mas sábias, quiçá

São Joãos
de olhos firmes
perdidos no ar

São Marias
bordadas no ouro
do colar

São Joãos, são Marias
de terra com sal
bentos num milagre
quase natural

Vistas de pontos

Eu nascente
Você poente

Tentados ao mesmo sol
Em barrancos diferentes

sábado, 2 de junho de 2007

Reza de viola

Uma viola toca canções contentes.
Não há nessa morada
nada que lembra água
nos olhos da gente

Hoje a noite chamaram uma alegria cancioneira
viradas nas cordas tensas
saem leve como o nada
pra dançarem enluaradas
pelos céus de bocas quentes

Até a lua se fez mais cheia
enquanto as estrelas primeiras
eram pintadas no escuro
formando um mar de contas
harmoniosamente tingidas pelas mãos do criador

Cá dentro um amornar cadenciado
na medida em que o dedilhado
espalhava-se manso
pelas audições presentes

Cantigas de santos terrenos
Gigantes
Embora pequenos
Trazem um pouco de fé...

Por cada nota transpasso um fio.
Teço um rosário transparente
para rezar seus mistérios
quando a viola for versar
em outros ouvidos fieis.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

Sobre o tempo

Folhas secas em mim
graciosamente marrons
suspiram...
Um vento marítimo
as sopram suficientemente devagar
para que eu as observe.
Uma a uma se vão pelo basculante
Sem beleza.
Sem tristeza.
Por sorte
levam um pouco de saudade...
Pela fresta dos meus olhos
água breve
morna.

Por baixo dos pés
um inicio de pastagem
verde novo
adentra meus calos
toma meus calcanhares
pernas
cochas
envolvendo parte por parte
do meu corpo.

Entra na minha boca
fazendo flores preguiçosas
nascerem em meu estômago
(vazio há muito...).
Vomito pétalas
Rosas
Roxas
Amarelas
para nauseada
desmaiar
de barriga colorida.

quarta-feira, 30 de maio de 2007

Caseira

O Sol esquentou.
Calor desenferrujou
partes molhadas de mim

Meu ombro esquecido
úmido
Lembrou da prima Vera
(aquela que mora no Rio)

Meu punho dolorido
frio
me disse bom dia
espiando o café da manhã

Minhas articulações estalantes
pularam saltitantes
fazendo com que eu levantasse
sonoramente confusa

Fechei as pálpebras cortinas num gesto último
de uma trégua matinal...

Meu corpo me pede raios
Minha cabeça pede pára-raios

segunda-feira, 28 de maio de 2007

Hai Kais ( ou quase Hai Kais) de um olhar baiano

Quer ver maresia
sai de onde esta
e vem pra Bahia


A Bahia é uma festa.
Não falta nego
querendo uma fresta


A Bahia tem mar profundo
mas cá na beira
é bem imundo


A Bahia tem baianas bonitas
de saia rodada
e laços de fita


Meu bem querer é baiano
tem sempre um sujinho
debaixo do pano


No interior da Bahia
tem mato, rio, cachoeira
e aos Domingos tem feira


Vem cá, neguinho, vou te beijar
mas nem inventa
que não quero casar


A praia da Bahia é na segunda
dá pra ver mais mar
e menos bunda


Na Bahia tem
acarajé, vatapá, tapioca
e tem também muita “popoca”!


Tem muita gente dizendo que é bamba
mas como baiano
neguinho não samba


Ô, nega dá uma forçinha
eu tô é de olho
na sua vizinha

A mulher vem na centelha
com a voz de Yansã
toda vermelha


Meu coração faz tum-tum
se vir um caboclo
com a conta de Ogum


Lá da colina tu reza por mim
e traz uma fita
do Senhor do Bonfim


Meu amor, quer viver poesia?
larga os botões
e vâmo pra Bahia

Mais um dia
Pra eu fazer meu ofício
Que é cantar a Bahia

sábado, 26 de maio de 2007

Senhora Formiga (para Paulinho e outras crianças)

Senhora formiga aonde vai toda prosa?

- Passear no canteiro de rosas

Essa formiga é engraçadinha
em fila indiana
parece uma linha

Senhora formiga aonde vai apressada?

-Pegar o açúcar de dentro da lata

Essa formiga é gulosa mesmo
ouvi falar, que pode levantar
mais de dez vezes o próprio peso

Senhora Formiga pára de correr!

-Cala, menina, se não mordo você!

Essa formiga é muito brava
dói bem fininho
a sua picada

Senhora formiga vai embora não!
Se eu te comer
é bom pra visão.

* Fui inspirada por uma lembrança da infância,quando minha mãe ao ver alguma formiga em meu suco dizia que era bom pras vista...(rs)...E eu saia pela casa matando tudo quanto era formiga e comendo uma a uma!(rs)
Vai ver que é por isso que minha visão hoje em dia é supimpa!

sexta-feira, 25 de maio de 2007

Lá em casa tem tu

Lá em casa tem
galinha
conquén
pintinho

Lá em casa tem
siriguela
pitanga
abiu

Tem mico da cerca olhando
o povo chegando em comboio

Tem passarinhos aos bocados
cantando, porque bico tem

Tem as crianças brincando das coisas
que lá na cidade não pode.
treinando carreira,
porque os pés na terra
correm mais ligeiros

Na mesa tem
cuzcuz
manteiga
aimpim
bolo de milho
bolo de ovos

Tudo que puder imaginar
Na mesa tem

Tem os causos de Ronilton
tem os tambores de João na Quaresma
Neguinho no pasto, bonito...
O olhar das meninas querendo ver bem.

Lá em casa tem
boi
cavalo
bezerro

Lá em casa tem
banana
caqui
caju

Lívia
Paula
Flávia

Tem!

Marcelo
Camila

Tem!

E agora tem tu também.

quinta-feira, 24 de maio de 2007

Sobre a morte, sobre meu pai e sobre seu amor em três

Posso ouvir a chave na porta
O tilintar dos talhares no jantar
A língua estalando

A morte tem um brilho próprio
Nela descansa a vida
Um derradeiro suspiro
De um corpo quente.

Ouço roncos nas madrugadas
E sua voz ainda me canta Caymmi

A cozinha com a luz azulada
Dentes mastigando crocancias
A firmeza das suas mãos
Memória de pele

A morte é uma falsa morte
A vida segue por outras vidas
Nas histórias que virão a ser
As memórias dos pequenos
Ao crescerem um tico mais

Meu pai, como parte de mim, permanece
Seus seguimentos de veias são teias em meu corpo

Faço seu nome vivo
No nome do meu filho
É pra ele que vou contar
Sobre nossos amores

Reencontro com teu riso
Em rios de saudade boa...

O grito da perda
Se tornou um silêncio preciso

Na varanda da casa
Adormeceu o homem imenso
De gordo coração
Obesos sonhos

Posso acordá-lo sempre
Quando voltar pra lá
Pro nosso Sítio Três Amores

quarta-feira, 23 de maio de 2007

Filho II



Enquanto ele dorme ao meu lado
Eu escrevo.

A inspiração tem forma plena
Em sua face inocente.

Sobre a dor

Dor
Fita cinza metálica
Amarrada no estômago
Chuvisco constante
Molhando os sapatos
Vagarosamente

Cachoeira escura
Ora visitada
Ora esquecida

Numa gruta acordada
A certeza ensolarada
De um tempo promessa

Palavras

Palavras são comichões
Que inquietam meu corpo
Acordando meus dedos selados

No calar de mim
A palavra fala insistente.

Lembranças Tomates




Depois de ter filho
Passei a cozinhar mais

A arte culinária
Me assalta as mãos

Talvez numa secreta tentativa
De manter vivos
No paladar do meu pequeno
Meus gostos de cozinha

Como estão sempre vivos em mim
O sabor festivo das lasanhas de mamãe
E o gosto bronzeado das tortilhas
De minha avó.

terça-feira, 22 de maio de 2007

Encontro




Esse seu silêncio em meu nariz
Me faz ouvir aviões.


(Para Tiago)


Foto: Tiago Lima (http://www.tiagolima.com)


Cinzas de Maio

Em Maio chove
Nas janelas escorrem lágrimas aos montes
A cidade cinza frio

Contrapesa tantas queimaduras
Com o risco do inverno

Em Maio, me sinto mais Maio
O aconchego dos lençóis
Amornam o esfriar da minha alma
Enquanto sou solidão

Em Maio escrevo mais
Essa distância do sol

Me inspira...

Filho

Ele em sono.
Velo seus olhos,
Em paz

segunda-feira, 21 de maio de 2007

Produto

A alegria da poesia
É a dor do poeta

Materna

De onde mal se sabia
Surge imensa morada
Ternura desperta
Pelo tempo molhado

São feitas de colo
Cor de calor
Trazem no dorso
Punhados de chuvas
Nas mãos
Frutas vermelhas
Nos olhos
A calma maçã

Fadigas contidas
Num sopro verde
Estremecem a cada manhã
Ao ver água macia
Na fonte de pedras
Refletindo luz solar
Em moedas douradas

Contas

Conta pra mim sobre seus mundos
Detalhe sua sorte
Quantas azares te convir

Suas raivas
Seus amores
Seus planos, profanos
Olhares, mundanos
Não minta, se abre
Meu bem é tão tarde...
São meus tantos panos!

Conta devagar
Suas falhas, vitórias
Batalhas, memórias
Caladas, marinhas
Me canta seu mar...

Aprendo contigo
Amante, amigo
Querido,
Querido...
Meu bem, meu amor
Costura o amar

Se parte pra mim
Meu raio, retalho.
Que eu saio
Que eu saio
Contigo no ar.

sábado, 19 de maio de 2007

Soneto guardado

Flor fugida
Em ramalhete de partida
A lágrima quente
Vem temente

Não adianta prometeres
Sei que não voltas
Vai,não entorta
Meu peito com teus dizeres

Guardo tua pele crua
E da negra noite, a lua
Que veio com teus quereres

Guardo o suor salgado
De um pulso frio e sagrado
Do teu corpo morto em prazeres.

Sobremesa

Sobre a mesa um antigo camafeu
Sobre suas brancas terras
Eu

sexta-feira, 18 de maio de 2007

Bisbilhoteira



Da minha janela escuto
O mar e o céu murmurando sobre saudade...


Conselho


Você já foi a Caymmi, nêga?
Não?
Então vá!

Quem se vai com esse nêgo, minha nêga,
Nunca mais quer voltar.

quarta-feira, 16 de maio de 2007

Praça da Espera

Amor, quanto tempo demora?
Aqui, em banco de madeira
Desfolho seu nome na beira
De um chão escuro e sem flora

Amado, será tempo?
Dos beijos que guardo nos lábios
Pra sua salíva em ávidos
Soluços tremidos conter

Enquanto te espero, a saudade
De não te ter chega, arde
Meu colo, meu ventre, meu ser...

Na curva uma turva sombra
Quieta, mansa, assombra
Meus zêlos por ser você.

Segredos


Andei ao vento
Um silêncio ruim
Fora tudo que se faz ouvir
Escutei, ao pé do ouvido,
Meus brincos
Tilin-tilin

Querendo Vinicius...


Meu amor, Vinicius
Por ti tem gosto de uvas
Para se perder em minhas curvas
Queria teu indicio

Meu amor, Vinicius
Por tuas palavras salgadas
Tem saliva grossa, espumada
Do mar com teus malefícios

Foste embora, querido meu
Sem ao menos conhecer-me
Não te toco, embora teime.

Mas me chegas em boa hora
Para um gozo de senhora
Onde te abro e digo: -Queime!

Mudanças num passeio

Arbustos pela cidade
Folhas secas pelo chão
Tantos verdes balançam esperanças
E as flores tão risonhas...
Dançam com o ventinho
Que passa
Mansinho
É como se a menina ainda vivesse
Tudo isso tocando
Como se tocada eu fosse
Pelo amante muito delicado

Vem ventania
Levanta a saia
Vai momento
Num curto espaço de tempo
O mundo pareceu tarado!

Vontades

Sereia
Hei de um dia te prender
Na teia
Da aranha que mora em terra firme
Na ceia
Vou degustar teu sal encruado
Na veia
Teu sangue gelado

Apelos

Meu homem
Tua barba roça minha pele
Que rosada fica
Envergonhada pelos apelos
Que tua boca quase calada
Faz sobre meu pêlos

Pedido de Mar


Ô, jangadeiro, me leva pra longe daqui...
Meu rosário não cabe as rezas que faço toda noite
Me leva pra longe desse cais
Faz trinta dias hoje, que ele foi e num voltou mais

Amor de mar é assim
Leva e traz
E minha rosa voltou...
A sereia achou bobo
O meu pedido de amor...

Naquela noite de lua
Juntou rede, corda,
Um pouco da cachaça
Rumou pro mar
Os cabelos da sereia
Prata serpente refletindo o luar

Meus olhos marearam
Todo tempo que esperei
Eu rezei
Eu rezei

E tu foste apaixonado
Lá pro fundo do azul
De mãos dadas com ela...
Enrolados em pano ventado

Só voltou barco quebrado
E nenhum sinal da vela.

Ô, jangadeiro, me leva pra longe daqui...
Meu rosário não cabe as rezas que faço toda noite
Me leva pra longe desse cais
Faz trinta dias hoje, que ele foi e num voltou mais


Foto: Tiago Lima (http://www.tiagolima.com)

Careceu


Careceu de ser assim
Você e eu

Careceu, moreno
Careceu...

Foi assim, bem ao acaso
Que nosso coração de prendeu.

Foi no mar da Bahia
Meus pés pisaram conchas da beira
E teus olhos, não eram Jabuticabas
Eram a própria Jabuticabeira

Não esperava, que na madrugada
Meus lábios iam juntar mais os seus
Resgatando águas passadas
Que o rio não escorreu.

Careceu de ser assim
Você e eu

Careceu, moreno
Careceu...

Foto: Tiago Lima (http://www.tiagolima.com)