sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Conversa da tarde

Os livros sussurram
A essa hora da tarde.

Rendidos
Versos, verbos, vírgulas
Ao lençol de névoa
Que contorna o assoalho da entrada.

Estremecido entardecer.
Derrete-se em céus
Envolve arranha céus
Contenta-se em nuvens.

Os livros nas gavetas conversam.

Ao se pôr, seria o final triste,
Não fosse o sigilo
Morada de vozes familiares.

Entardece.

Os livros cochicham.

Passos desandam
Espumas retornam
Num comungar de despedidas.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

O baile do vento (para o filho)

Vê o vento e a pena. A condução suave em que se envolvem e respiram. Coisa viva é vento e pena!Coisa minha e coisa sua, assim como somos coisas do instante.
Sente o sol dessa manhã, como seus filetes de ouro acordam o rosto num carinho mudo. Calor. Vivo. Quente. Como é presente a sua cor amarela, sobre as copas folhosas das árvores. Vê meu filho, aquele barco que vai longe...
Pelo imenso azul que o sustenta, ele segue. Pequeno ponto solitário. Dentro de seu velho corpo de madeira há um homem. Dentro do homem um desejo. Dentro do desejo a esperança e, a esperança, meu anjo, é mar.
Filho, os homens são tecidos em emoções... Assim como a dança entre a pena e o vento. Assim como o sol acordado em todas as manhãs. Assim como a estrada azul d’água e o barco que persevera.São feitos da mesma areia.Das correntes.Do tempo.
O homem carrega a coragem de vir a ser suas vontades e sua história o marca numa conseqüência eterna. A história é filho que cresce sem nunca poder ser parido. Por isso há homens e homens. Histórias e história. E há você, há eu e há nós.
Talvez entender a fita que ata cada outra fita seja tarefa de pra sempre. Seja a vida mesmo. Só.

Sabe meu filho, aquela pena nos mostra os braços do vento. Cada gesto emocionado por ele, emociona a pena leve e faz garoa em minhas terras. São nesses momentos, que brota, dentro, causa sem nome e que nunca irá se tornar concreta em nenhuma forma de expressão.

Vê meu amor, minha semente...
As conchas. A praia, moça bonita, suas curvas. O sal. Ferrugens nas grades. O sal.

Há horas em que escorre nas valas sangue de gente. Balas zunindo. Facas de aço. Aço de foice. Gritos sem fim. Sangue de gente. Noites sem fim. Gente deitada. Aço de fim.

Mas isso, criança, é coisa pros olhos dos grandes, e você não há de cismar por agora.
Basta-lhe catar as conchas. O rio e suas margens. As pedras dentro d’água.A água.O vento.

Vê...
Meu amor, a vida é vento.
O chorar da sua muda dança com a pena...

Entende o que digo?
A vida. O vento. A pena.

sábado, 18 de agosto de 2007

Navegante

Restou o despetalar floral
Incrustada na madeira lisa
E o vento arou brisas
Perto da jardineira.

O mar da vez borda um azul claro,
Que parece brandura sempre.

Tempestades se escondem
Na lonjura do horizonte
Nas distâncias dos silêncios.

Longe daqui há um casebre,
E do casebre vê-se a cidade.
O mundo se faz em berços.

Daqui o mar parece estar
Na cabeceira em que vontades deságuam
Levando a pés pequenos
Chinelos de águas morenas.

sexta-feira, 17 de agosto de 2007

Gameleira


Calçado paraíso santo
De igreja e pedrarias.
Alí, onde altar é areia,
Os santos são verdes ramos,
Que pelos altos serpenteiam.
Alí, onde o céu rompe em manto,
O sol toca o couro novo,
Das crianças, das danças, das casas vizinhas.
Onde o caminho leve, leva a reza,
Que o corpo, aqui, faz jazigo.

Alí nossa casa.
Alí um pedido.
Alí.
-
Foto: Paloza (http://www.flickr.com/photos/superpalaativar/)

quarta-feira, 15 de agosto de 2007

Pontos

Escrevo na busca de algo
Que jamais encontrarei.
A palavra possui meus verbos
Enquanto recebo seus avais.
Correntes se anelam
Sem que ao menos estalem
Em minha percepção.
Na fraca lucidez que me sobra
Escrevo
Em sinais brancos de incertezas.

Quintal

Vejo a relva
Alva
Nas pastagens
Os burrinhos
Revelando minhas pragas
O bicar dos passarinhos.

A estrada


Na mesma estrada estou.
Barro cuspido em meus tornozelos
E perdida dos meus olhos
A casa caiada entre coqueiros.
A mesma estrada e há outra do outro lado
Outra margem, outra ponta,
Outro céu, outros anelados desejos.
Ao passo da-se a força
E a marcada pegada, ainda fosca,
Afundada em travesseiros.
Na mesma estrada se foi
Alguém que por pouco não lembro
Não ser por essas palavras restadas
Na margem, outra, da estrada
A qual, sem esforço, não vejo.
De cima da ribanceira
Um pé de tamarindos azedos
Em vagem cantam
Dos doces de não partir.
Na mesma estrada estou.
E assim será o rumo
Pois se a vida nela é talhada
Como em mim não será grada,
Se por entre gordas várzeas
Eu vou?
Na mesma estrada estou.
Busco o rio, busco a ponte,
E a Dama logo defronte
Mostra pr’onde mesmo que vou.
-
Foto: Tiago Lima (http://www.tiagolima.com)

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Marias,mulheres,respostas

Sei mulher, do talho que ao fundo se fez. Dos mares que atravessou na roxa busca ávida do que deixou em terra salgada. Vi. Pois sua carne é minha, mulher, seus olhos olharem um ventre em busca do desejo mãe em ter uma vida. Sua. Dentro. Pulso.
No caminho nos encontramos mulher, sem ao menos nos encontrarmos de fato. Feito prece. Feito pedido. Feito esperança. Encontramos-nos no amor e por ele se mata e morre. Por ele se sangra e cura.
Suas lágrimas culparam minh’alma, mas pecados possuem a graça de ninar pesares. O demônio turvo, que erguia em meu dorso, dormiu solto no dia em que chorei ao pé da cruz.
Era sua imagem em rio limpo, santa tez agraciada! Qual minha regalia?Na correnteza envolta em galhos, vi seu rosto em traços bentos, mostrar-me que era mulher, mulher de fato. E as mulheres, assim como eu, nunca tocaram na vida um rosário.
Veja daqui, que de onde jamais saímos, somos as mesmas. Santas, mulheres, não importa por qual alcunha.
Folhas do Tempo, esse sim: Homem, livro,Deus e grama, secaram.
Passado Outono, o inverno fecunda as sementes nascentes.
Primavera anuncia belas cores nas sacadas.
Uma mãe nasceu de dia e a noite não é mais viva.
Depois que frutos rompem auroras, manhãs têm cor de calma em horizontes certos.
Meus frutos, os meninos, em alguma instância também são seus, como são de tanta gente.Como são meus seus pés. Como não querer o amor, se tanto há dele em mim?
Agora, mulher, façamos mais essa prece.
Pais Nossos. Agruras, ternuras, caminhos...
Mãos úmidas, querida, transpiram em suas, para que conseqüências da vida, sejam refeitas em escolha de bom agora.
Ave Marias!
Por bem,
Amém.

segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Para Cláudio

Ofereço-lhe o cansaço
Regaço do meu corpo
Tombado pelos afazeres diários.
Os sóis são duros raios
Que convergem em minha côncava estrutura.
Só sua fala é bálsamo
Para minhas ordinárias mazelas.
Sua respiração
Corrente de vento desvendando
Dúvidas corriqueiras.
Estarás sim em mim
Como essas estrelas
Que habitam o céu
E que, mesmo mortas
Há anos luz, ainda refletem-se
Nos mares.
Guardarei sua paz como quem guarda
Uma prece de criança
Que ao pé da cama pede pelos que ama.
Mesmo que eu morra em teus olhos,
Que meu brilho visto por ti se esvaia
Num caldo seco de não sentir,
Sua face pra mim será terna,
Eterna na tez do filho,
Nosso que nós tivemos.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

Jabuiticaba

É tempo de Jabuticabas.
Incrível como me chamam atenção
Essas frutinhas de um roxo quase preto.
Falam-me repousadas e brilhosas nas bancas de frutas:
-Tempo, tempo...
Durante o ano, fico imaginando o momento
Em que me depararei despretensiosamente
Com sua graça em alguma esquina,
Quando roxas bolinhas estalaram
Seu sumo inundando minha boca
Com um doce rápido
E branco.

Falam-me do tempo, as Jabuticabas
Da paciência adocicada do encontro
Com eu e tu e o todo e as coisas e nós
Acenam a espera de um momento
Onde o passar é gratidão
E risonhas esferas serão certas
No momento certo de serem.

Quando em feiras, carrinhos de mão, sacolas
Elas se insinuam inchadas de suco
É a vez delas mostrarem sua safra
Até que sejam preteridas
Pelos sapotis e cajus
É a vez de degustarmos
Os açucares alí dados por elas.

-Tempo, tempo, falam baixinho
As Jabuticabas
Enquanto apreendo seus saborores
Grata pela semeadura.

quarta-feira, 1 de agosto de 2007

Maracujá

Recostei-me num arvoredo
Que ficou debruçado
Na velha rodagem

Aninhe-me num vento lento
Que assoviou
Canções de antes

Um cheiro de maracujá
Cobriu minhas passagens
E respirei alaranjado

Tornei-me um tanto
Arvoredo
Vento
Maracujá

E nunca mais
Fui gente
Apenas.