segunda-feira, 4 de maio de 2009

Encantado




(Para Rai,por me fazer ter mais carinho com as memórias,
por me lembrar de escrevê-las,pois jamais as quero perder)



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No sítio de meu pai,
Quando o dia já me tocava,
Costumava sentar na varanda
E ver o tempo ser amigo.
Por lá, ele (o tempo), gostava de passear.
Circulava as siriguelas,
Aguardava as acerolas,
Sorria em graviolas,
Sentava em meu colo de início.

Por horas me perdia num verde certo.
Por horas era verde o meu coração.

Meu pai, não demorava, já ia concertar a cerca,
Concertar a fonte, concertar qualquer coisa,
Que não estivesse direita.
Ia numa felicidade construída.
Sem camisa, sem óculos,
Sem hora.
Vez por outra entrava farpa no dedo,
Farpa de madeira.
Eu corria pra tirar.
Meu pai tinha medo de sangue.
Desmaiava.
Homem grande daquele,
Era besta pra dor...
Mas eu entendia.

Minha mãe gostava da cozinha,
Danava a fazer doce!
Doce de leite de bolinha,
Em pasta, doce de goiaba,
Doce de Caju.
Gostos bons tinham os doces.
Havia algo a mais que fruta e açúcar.
Muito mais que temperatura exata,
Ou ponto certo da calda...
Ela nunca dizia o que era
Mas dava pra sentir.

Pelas tardes eu corria sem pressa,
Só por vontade...
Pés descalços.
Ventava manso nessa hora,
Tudo calhava numa promessa presente.
Eu ia catar as meninas,
Pra irmos no rio da ponte.
Tinha água pra tudo que era lado,
Alegrias todas molhadas.
Ria o rio todo dia com a gente.

Voltava pra casa enlameada.
Minha mãe de cara feia,
Meu pai achava graça só pra mim.
Passava igual um raio,
Não querendo ouvir qualquer coisa.
Trancava a porta do banheiro,
A tramela reclamava
E eu sorria de agonia.

À noitinha, novamente na varanda,
O café tinha cheiro de terra.
A mesa era posta,
Enquanto tudo lá fora se recolhia,
Sem saudade alguma.

Mais pra dentro da noite, meu irmão cantava.
Gostava de chamar boas coisas.
Eu acompanhava.
Éramos dupla, parceiros, juntos.
Cada qual na sua cama,
Entre olhares e amores,
Admirados um do outro,
Até o sono acordar os sonhos.

Noite grande depois da cantoria.
Depois só silêncio
Entre os sons bons de ouvir.

Quando o sol em calor nascia,
Todos os bichos acordavam,
E, todos juntos , acordávamos para viver.

Vida boa!
Lembranças de peito largo,
Essas do sítio de meu pai.

Por lá não havia nada,
Nada demais...
.

9 comentários:

Babi disse...

Amei o final :)

Frida Cores disse...

lembranças com gosto de doce de leite de bolinhas... rs. sempre encantadora! bjs

Anônimo disse...

O gente... saudade...
saudade do tempo que a gente não espera nada...
saudade de rio, fruta, de verde, de doce, de cerca...
e um nó na garganta até agora...

Anônimo disse...

Ops... Tati!

Anônimo disse...
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Mayana - Psicóloga Comportamental disse...

nada demais...rsrs...coisa da boa, muito boa..como sempre...

Raiça disse...

Lindo! Lindo demais! Esse rio, essa roça, esses dias, ainda moram nos seus olhos dum jeito, que a gente mal olha e já vê acolhida: de água, de árvore, de tempo, de amor.

Brigada por tudo, minha maloca. Agradeço cheia de muito amor.

Frida Cores disse...

bela, vc saca a musica "chance de aladin"? tava lendo ela a pouco e lembrei dos seus poemas...
eis a letra:
http://letras.terra.com.br/ney-matogrosso/777131/

Mayana - Psicóloga Comportamental disse...

quero mais:D